contos em pílulas - VII

Alguns contos incrivelmente curtos escritos em momentos de ócio.

Este conto foi escrito sentado na varanda de noite, com o som do Coldplay saindo dos alto-falantes fraquinhos do celular, olhando para o horizonte com as luzes dos prédios ao longe e pensando que às vezes eu tomo decisões ruins tipo jogar um molho na comida sem saber que em torno de 3/5 da composição do mesmo é pimenta.


melancolia

Tudo isso foi um erro. O que diabos eu estava pensando quando aceitei entrar nessa anomalia, sozinho? "Pioneiro das viagens espaciais", "a última fronteira", "o maior heroi da história", todas essas bobagens faziam meus olhos brilharem, já podia ver a quantidade de zeros à direita na minha conta bancária. Mas isso foi antes. Muito antes. Ou pouco antes. Tanto faz. Tempo é um conceito que não faz mais sentido aqui.

Agora estou à deriva em um ponto aleatório do universo. Nenhum cálculo e nenhuma simulação podia preparar alguém pra passar por dentro de uma anomalia do espaço-tempo, vulgo buraco de minhoca, ou qualquer nome que tenham dado. As únicas coisas que sobraram funcionando foram os sistemas de suporte à vida, pesadamente protegidos contra campos eletromagnéticos e ainda assim bastante danificados, e coisas que não dependem de eletrônica (não são muitas), como os cilindros de oxigênio e cápsulas de escape, com desengates manuais e impulsionadas pela própria pressão interna da nave.

Não há navegação, não há motores eletromagnéticos (a última inovação, que foram ironicamente destruídos por outro campo eletromagnético), não há comunicação (se comunicar com quem? sei lá quantos anos-luz estou de qualquer antena operada por seres humanos), não há pontos de referência,  não há nada. Estou dentro de um veículo metálico e cerâmico viajando por um espaço que não está em nenhum mapa estelar em direção ao desconhecido.

O meu oxigênio está acabando, e eu estou ficando sonolento. Primeira vez que irei dormir em sei lá, 2 dias, tentando fazer qualquer coisa ao meu alcance pra fazer algo funcionar. Mas nada funciona. E mesmo que funcionasse, não há pra onde ir e nem com quem falar.

Apenas a escuridão do espaço, e a solidão mais absoluta já experimentada por um ser humano. E nada mais. História, aí vou eu.


INICIANDO REGISTRO Inscrição feita com um instrumento identificado como "LÁPIS" sobre uma superfície identificada como "LIVRO>ESPAçO A ÚLTIMA FRONTEIRA" inscrições adicionais marcam o período temporal como "ANO>2517" do corpo planetário identificado como "TERRA" Registros adicionais informam que este corpo planetário é a terra natal da forma de vida ancestral identificada como "HUMANO" Análise de material biológico encontrado indica semelhança molecular aproximada de 23.478231% com a forma de vida dominante neste superaglomerado Localizado pela sonda espacial autônoma 568B-725-FE8B-ε Região ζ Aquilae DATA ESTELAR 121.Σ9234.Φ43 FINALIZANDO REGISTRO

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